Bom, como sempre, motivado por dúvidas comuns e muitos mitos que existem, este texto visa esclarecer um grande, imenso mito que existe no Brasil.
Preciso ficar corrigindo a temperatura durante a mosturação?
Resposta: NÃO!
- "
Mas não precisa ficar corrigindo mesmo a temperatura? Mas sempre me falaram que precisa!”
Bom, falaram isso porque aprenderam assim, e… ok, nada de errado nisso, mas isso não quer dizer que PRECISA (que é obrigatório) ficar corrigindo.
Não vou entrar numa complexidade tão grande aqui, até porque não precisa. Pra entender isso, a gente só tem que lembrar que duas enzimas são as principais durante (dentre outras) que atuam durante a mosturação para conversão dos amidos, e obviamente, precisa-se entender o que é um amido, o que são açúcares, e como ocorre a conversão destes pelas enzimas principais Beta Amylase e Alpha Amylase.
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Amido
A grosso modo e resumidamente, é como se fosse uma corrente, e cada elo dessa corrente, é um açúcar. Esses "elos" da corrente são açúcares bem simples, em sua grande maioria Glicose (G), mas também há uma pequena quantidade de Frutose (F). Ou seja, um Amido (a corrente inteira, cheia de elos)... é "como se fosse" um açúcar gigantesco.
Existem basicamente dois tipos de amidos:
- Amidos Simples: amiloses - como se fosse um pedaço de corrente simples.
- Amidos Complexos: amilopectinas - como se fosse uma corrente com outros pedaços de correntes ligados a ela, ou um galho cheio de outros pequenos galhos.
Quando os amidos (pra lembrar, a parte branca de dentro dos grãos moídos) são convertidos durante a mosturação, as enzimas quebram esses amidos em pedaços menores (separam "os elos das correntes").
E aqui, algo muito importante nesse processo:
- Amidos Complexos são quebrados, primeiramente, em Amidos Simples
- Amidos Simples são quebrados, por fim, em Açúcares Fermentáveis and Açúcares Não-Fermentáveis (Dextrinas)
- Algumas dextrinas (açúcares não-fermentáveis) podem eventualmente ser quebrados também Açúcares Fermentáveis
Açúcares Fermentáveis - açúcares que o fermento consegue "comer", e transformar em álcool, CO2, dentro outros compostos
- Glicose - vou chamar de G
- Frutose - vou chamar de F
- Maltose - GG
- Maltotriose - GGG
- Sacarose - GF
Notem o seguinte: o que o fermento realmente consome é G e F. Os outros açúcares, NA VERDADE, são quebrados por enzimas que o fermento gera (dentro e fora da célula, depende do caso), para finalmente separar os açúcares e conseguir "come-los".
Ainda existe um outro açúcar que é a Raffinose: Melibiose + F
A melibiose, por sua vez, é como se fosse uma Maltose numa ligação diferente, ou seja, é como como G=G.
Fermentos Ale não conseguem comer a Melibiose. Eles simplesmente separam a Melibiose da Frutose, e comem a Frutose.
Fermentos Lager conseguem comer a Melibiose, e isso faz as lagers ficarem quase desprezivelmente mais secas (pois a quantidade de Raffinose no mosto é muito pequena.
Açúcares Não-Fermentáveis (costumeiramente chamadas de Dextrinas)
São correntes grandes de Glicoses ligadas de várias formas, às vezes simples de longas, e outras vezes em "galhos", ou seja, ligações mais complexas, os "branch points" mostrados na primeira imagem deste post, em verde.
O fermento não consegue “comer” as Dextrinas (termo mais comum para açúcares grandes), então eles ficam de forma residual na cerveja, aumentando a viscosidade (corpo), e também contribuindo para retenção maior de espuma, bem como uma sensação maior de "maltado", um LEVE... muito leve doçura de malte. Quanto mais longo o açúcar, menos doce ele é, logo, esses açúcares são POUQUÍSSIMO DOCES (lembre-se disso quando tiver uma cerveja doce... não foram as dextrinas...).
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Bom, entendido o que é Amido e Açúcares, vamos às PRINCIPAIS enzimas (não todas) e como elas quebram os amidos grandes em amidos menores, e depois em dextrinas, e eventualmente em açúcares fermentáveis.
Beta Amylase
Ativa desde: 55 graus
Desnatura rapidamente a: 70 graus
Atuação: RESUMIDAMENTE, quebra amidos simples (ou as extremidades de amidos complexos também) em gera Maltose.
Alpha Amylase
Ativa desde: 63 graus
Desnatura rapidamente a: 80 graus
Atuação: RESUMIDAMENTE, quebra amidos grandes em amidos pequenos e dextrinas, e eventualmente poucos amidos pequenos em Maltose.
No entanto, a “junção” entre os amidos, os “branch points”, em verde, que são consideradas dextrinas, não são quebradas e são deixadas para trás (residuais na cerveja) que são as Limit Dextrins, mas que não vem ao caso porque aí teríamos que falar de outra enzima que pouco atua, a Limit Dextrinase.
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Bom, tendo entendido o que foi dito até agora…
A resposta é.. não, não precisa ficar corrigindo temperatura.
Ocorre que no geral, se você começar sua mosturação pelo menos a 65 graus, mesmo com uma queda de temperatura normal, você terá uma boa atuação de Alpha Amilase durante os primeiros 20, 30 minutos, no mínimo.
Isso faz com que Alpha Amylase quebre todos as Amilopectinas (amidos grandes) em dextrinas e amidos mais simples.
Esses amidos simples e dextrinas que restaram podem ser convertidos por quem? SIM! A Beta Amylase!
Beta Amylase já está ativa desde os 55 graus, então isso quer dizer que a medida que temperatura vai caindo, na verdade, as Betas que sobraram tem uma “sobrevida” ainda maior, pois elas desnaturam mais rapido quanto maior a temperatura.
Isso quer dizer o que?
Mesmo que a temperatura caia, a temperatura inicial de mosturação normalmente gera uma atuação de Alpha Amylase suficiente para “permitir” uma conversão completa, pois o que sobra, se ainda for algum amido simples, pode ser quebrável com Beta Amylase.
Resumindo?
Sintetizando uma técnica ideal de infusão simples, se você:
- Iniciar a mosturação pelo menos aos 65 graus (pois Alpha já tem uma certa atividade a 63)
- Tampar a panela e NÃO FICAR ABRINDO PRA MEDIR A TEMPERATURA, NEM MEXER COM OS GRÃOS (o que gera maior perda ainda)
- Esperar 1h30
Pronto, conversão completa, sempre, pelo menos no Brasil. Ok, se você estiver em algum lugar dos EUA onde cai neve, talvez você precise do que? De uma caixa térmica em vez de uma panela de mosturação…. por isso que os americanos usam tanto isso.
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"Mas a temperatura não cai abaixo de 55 durante a 1h30?"
Nem perto disso, mesmo que seja aqui no RS com frio, SE........... você não cometer os erros básicos: ficar abrindo a panela, e principalmente, NUNCA mexer nos grãos… pois isso causa uma troca de temperatura gigante com as paredes da panela, e se você estiver mosturando na mesma panela do fundo-falso, está detonando sua cama de grãos.
A temperatura cai pouco porque:
- A panela fica tampada, e isso faz grande diferença pela pouca perda de vapor
- Poucos movimentos de convecção térmica - aqueles movimentos de convecção que fazem líquido frio ir pra baixo e líquido quente ir para cima ficam MUITO lentos, e isso faz perder bem menos temperatura
- O grão é como uma pilha/bateria térmica, além de ser quase um isolante térmico dele mesmo, ou seja, retém melhor a temperatura por transferir calor com muito menos eficiência que líquido puro.
Todos esses fatores fazem a temperatura cair bem menos que você pensa. Depois de 1h30, faça o teste, abra a panela, e meça a temperatura enterrando o termômetro um pouco nos grãos… vai se surpreender. Sim, a temperatura bem lá embaixo, junto ao fundo pode estar razoavelmente mais baixa, mas não há problema algum nisso.
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“Mas por que 1h30?”