Inglorious Brewers
Well-Known Member
Discutindo recentemente em outra thread, foi me sugerido abrir uma específica para tratar do assunto "reidratação de leveduras" e existem muitos pontos a serem abordados aqui. Se você é um cervejeiro utilitarista (não há mal algum em ser) pule o texto todo e vá para conclusão, lá terá um resumo com "números" para te ajudar a fazer reidratação.
O primeiro ponto nessa discussão vem da literatura, a levedura desidratada tem sua parede celular fragilizada, ao colocá-la em um mosto rico em açúcar grande parte das células viáveis podem morrer devido a uma pressão osmótica que meio exerce sobre essas células [1, 2]. Desse ponto de vista, reidratar corretamente sua levedura irá restaurar a parede celular e a levedura ficará resistente a esse pressão osmótica, levando a um aumento da viabilidade. Pois bem, isso é um fato aceito e muito estudado, a reidratação de leveduras secas possui um amplo amparo científico e existem diversos protocolos de como realizar essa reidratação [3, 4, 5].
Desde que existe levedura desidratada existe, no mundo cervejeiro, a discussão se é ou não necessário a reidratação. A maior parte dos fabricantes diz não ser necessário, grande parte dos cervejeiros caseiros também não faz. Com o passar do tempo a discussão vem ficando mais complicada e confusa. Primeiro pelo motivo que alguns fabricantes, como a Fermentis estão expondo dados (nem um pouco claros) de que sua viabilidade não é reduzida caso não haja reidratação, além disso as pesquisas que por muitos anos estavam em um consenso sobre o protocolo de reidratação vêm divergindo bastante nos últimos tempos. No momento temos pesquisas mostrando que não há diferença de viabilidade no caso de reidratação [6], há também trabalhos que mostram que a maior viabilidade é conseguida com água pura [7], outros conseguiram maior viabilidade com solução de água com açúcar [8]. Além disso outras pesquisas mostram que a faixa de temperatura de maior viabilidade foi na faixa de 17ºC [8], outras entre 30 e 35ºC [10], há ainda aqueles que conseguiram em torno de 40°C [11]. Da minha experiência, é comum até 70% de redução de viabilidade em leveduras não hidratadas, mas isso varia bastante de laboratório para laboratório e de cepa para cepa, entretanto... já tenho sido informado por colegas que obtiveram recentemente 8% de perda de viabilidade.
Ok, está confuso, eu sei... mas vamos ver o que dizem os fabricantes sobre hidratação e temperatura:
Lallemand: 30 - 35ºC (água pura)
Fermentis: 25 - 29ºC (água pura) (página 6)
Mangrove Jacks: 20 - 25°C (água pura)
Scottlabs: abaixo de 40ºC (água pura)
Wyeast: Não informa
Whitelabs: Não informa
Os dados acima foram retirados de protocolos ou do site das fabricantes. A Mangrove Jack's não informa protocolo direto de reidratação porque afirmam que não há necessidade para isso, entretanto alguns distribuidores dizem que são informados pela Mangrove a temperatura que citei acima. No caso a Fermentis também afirma o mesmo, embora possua instruções em seu manual. A White labs não produz fermento seco para cerveja, apenas para destilados, mesmo assim diz não ser necessário reidratação. A Wyeast está no mesmo caminho, os manuais de utilização de levedura sequer fazem menção a isso. Se essas instruções existirem nos sites dessas empresas elas estão muito bem escondidas.
O que é que está acontecendo? O que está acontecendo é que mais pesquisas estão sendo feitas, melhores métodos laboratoriais estão sendo desenvolvidos, a biotecnologia está evoluindo e etc. Embora esse panorama seja bem confuso para quem não trabalha com ciência, ele é um tanto "normal", o que resta para o cervejeiro caseiro fazer não é tentar criar a situação mais perfeita do mundo para sua cerveja, isso não é possível e nem é a intenção do homebrew. O que o cervejeiro caseiro pode fazer é entender que a tecnologia está evoluindo e que a ciência se desenvolve na contradição, cerveja é ciência, e sabemos muito pouco sobre ela.
O que ainda é comum notar no caso de leveduras reidratas e não reidratadas:
- Aumento da fase de lag: não necessariamente por um grande período de tempo.
- Diminuição da formação de Krausen: Isso varia de levedura para levedura, mas é corriqueiro no caso de fermento não reidratado.
- Não costuma dar alteração sensorial (sabor, cor, aroma).
- Há relatos de fermentação mais lenta ou até travada, embora isso não seja comum pode ocorrer caso a saúde da levedura já estivesse comprometida.
- Evidência anedóticas alegam maior produção de diacetil. Embora sem sustentação científica e eu mesmo nunca tenha notado.
Conclusão:
Embora venha aumentando o número de artigos alegando que a reidratação não afeta em quase nada a viabilidade, e que outras faixas de temperatura parecem ser mais indicadas para a reidratação, um número esmagador de artigos ainda suporta a ideia de que a levedura desidratada precisa da reidratação para aumento da viabilidade, nesses protocolos a faixa de temperatura que é mais recorrentemente relacionada a aumento da viabilidade é entre 30 e 35ºC, sendo essa reidratação feita apenas com água. Note que isso não significa que você não possa fazer reidratação entre 35 e 40ºC, ou mesmo em 17ºC, ou ainda que não possa colocar um pouco de açúcar na água e até mesmo ser hardcore e inocular a levedura sem reidratar. É natural que a tecnologia evolua e no futuro provavelmente teremos certeza que a levedura não precisa mais de reidratação. Por agora o único conselho que eu deixaria é: se você vai estressar sua levedura além do normal (alta OG, alto ABV, volume grande, deficiência no controle de temperatura), se sua levedura é velha ou fará reaproveitamento da mesma, então faça a reidratação, caso contrário fica a seu critério.
Modo básico de reidratação: Em um copo ou outro recipiente qualquer coloque 10 ml de água mineral para cada grama de levedura, ferva a água por cerca de 5 min, cubra o recipiente com plástico filme e deixe esfriar. Quando chegar por volta de 30/35ºC inocule a levedura, mexa suavemente para que ela fique uniforme e deixe descansar por cerca de 30 min e então inocule no mosto. Alguns protocolos dizem para utilizar alguns nutrientes ou mesmo fazer pequenas adições de mosto, mas isso não é realmente necessário.
É isso aí, galera... dúvidas e discussões estamos aí!
Referências.
1 - Yeast Resistance to High Levels of Osmotic Pressure: Influence of Kinetics
2 - The Effects of Osmotic Pressure and Ethanol on Yeast Viability and Morphology
3 - Rehydration of Active Dry Brewing Yeastand its Effect on Cell Viability 4 - Saccharomyces cerevisiae viability is strongly dependant on rehydration kinetics and the temperature of dried cells
5 - The Influence of Rehydration on the Viability of Dried Micro-Organisms
6 - Dried Yeast: Impact of Dehydration and Rehydration on Brewing Yeast DNA Integrity
7 - The impact of dehydration and rehydration on brewing yeast
8 - Vitality enhancement of the rehydrated active dry wine yeast
9 - Effect of Rehydration Temperature of Active Dried Yeast on Wine Production and quality
10 - Characteristics of cellular membranes at rehydration of dehydrated yeast Saccharomyces cerevisiae
11 - Changes in wine yeast storage carbohydrate levels during preadaptation, rehydration and low temperature fermentations
O primeiro ponto nessa discussão vem da literatura, a levedura desidratada tem sua parede celular fragilizada, ao colocá-la em um mosto rico em açúcar grande parte das células viáveis podem morrer devido a uma pressão osmótica que meio exerce sobre essas células [1, 2]. Desse ponto de vista, reidratar corretamente sua levedura irá restaurar a parede celular e a levedura ficará resistente a esse pressão osmótica, levando a um aumento da viabilidade. Pois bem, isso é um fato aceito e muito estudado, a reidratação de leveduras secas possui um amplo amparo científico e existem diversos protocolos de como realizar essa reidratação [3, 4, 5].
Desde que existe levedura desidratada existe, no mundo cervejeiro, a discussão se é ou não necessário a reidratação. A maior parte dos fabricantes diz não ser necessário, grande parte dos cervejeiros caseiros também não faz. Com o passar do tempo a discussão vem ficando mais complicada e confusa. Primeiro pelo motivo que alguns fabricantes, como a Fermentis estão expondo dados (nem um pouco claros) de que sua viabilidade não é reduzida caso não haja reidratação, além disso as pesquisas que por muitos anos estavam em um consenso sobre o protocolo de reidratação vêm divergindo bastante nos últimos tempos. No momento temos pesquisas mostrando que não há diferença de viabilidade no caso de reidratação [6], há também trabalhos que mostram que a maior viabilidade é conseguida com água pura [7], outros conseguiram maior viabilidade com solução de água com açúcar [8]. Além disso outras pesquisas mostram que a faixa de temperatura de maior viabilidade foi na faixa de 17ºC [8], outras entre 30 e 35ºC [10], há ainda aqueles que conseguiram em torno de 40°C [11]. Da minha experiência, é comum até 70% de redução de viabilidade em leveduras não hidratadas, mas isso varia bastante de laboratório para laboratório e de cepa para cepa, entretanto... já tenho sido informado por colegas que obtiveram recentemente 8% de perda de viabilidade.
Ok, está confuso, eu sei... mas vamos ver o que dizem os fabricantes sobre hidratação e temperatura:
Lallemand: 30 - 35ºC (água pura)
Fermentis: 25 - 29ºC (água pura) (página 6)
Mangrove Jacks: 20 - 25°C (água pura)
Scottlabs: abaixo de 40ºC (água pura)
Wyeast: Não informa
Whitelabs: Não informa
Os dados acima foram retirados de protocolos ou do site das fabricantes. A Mangrove Jack's não informa protocolo direto de reidratação porque afirmam que não há necessidade para isso, entretanto alguns distribuidores dizem que são informados pela Mangrove a temperatura que citei acima. No caso a Fermentis também afirma o mesmo, embora possua instruções em seu manual. A White labs não produz fermento seco para cerveja, apenas para destilados, mesmo assim diz não ser necessário reidratação. A Wyeast está no mesmo caminho, os manuais de utilização de levedura sequer fazem menção a isso. Se essas instruções existirem nos sites dessas empresas elas estão muito bem escondidas.
O que é que está acontecendo? O que está acontecendo é que mais pesquisas estão sendo feitas, melhores métodos laboratoriais estão sendo desenvolvidos, a biotecnologia está evoluindo e etc. Embora esse panorama seja bem confuso para quem não trabalha com ciência, ele é um tanto "normal", o que resta para o cervejeiro caseiro fazer não é tentar criar a situação mais perfeita do mundo para sua cerveja, isso não é possível e nem é a intenção do homebrew. O que o cervejeiro caseiro pode fazer é entender que a tecnologia está evoluindo e que a ciência se desenvolve na contradição, cerveja é ciência, e sabemos muito pouco sobre ela.
O que ainda é comum notar no caso de leveduras reidratas e não reidratadas:
- Aumento da fase de lag: não necessariamente por um grande período de tempo.
- Diminuição da formação de Krausen: Isso varia de levedura para levedura, mas é corriqueiro no caso de fermento não reidratado.
- Não costuma dar alteração sensorial (sabor, cor, aroma).
- Há relatos de fermentação mais lenta ou até travada, embora isso não seja comum pode ocorrer caso a saúde da levedura já estivesse comprometida.
- Evidência anedóticas alegam maior produção de diacetil. Embora sem sustentação científica e eu mesmo nunca tenha notado.
Conclusão:
Embora venha aumentando o número de artigos alegando que a reidratação não afeta em quase nada a viabilidade, e que outras faixas de temperatura parecem ser mais indicadas para a reidratação, um número esmagador de artigos ainda suporta a ideia de que a levedura desidratada precisa da reidratação para aumento da viabilidade, nesses protocolos a faixa de temperatura que é mais recorrentemente relacionada a aumento da viabilidade é entre 30 e 35ºC, sendo essa reidratação feita apenas com água. Note que isso não significa que você não possa fazer reidratação entre 35 e 40ºC, ou mesmo em 17ºC, ou ainda que não possa colocar um pouco de açúcar na água e até mesmo ser hardcore e inocular a levedura sem reidratar. É natural que a tecnologia evolua e no futuro provavelmente teremos certeza que a levedura não precisa mais de reidratação. Por agora o único conselho que eu deixaria é: se você vai estressar sua levedura além do normal (alta OG, alto ABV, volume grande, deficiência no controle de temperatura), se sua levedura é velha ou fará reaproveitamento da mesma, então faça a reidratação, caso contrário fica a seu critério.
Modo básico de reidratação: Em um copo ou outro recipiente qualquer coloque 10 ml de água mineral para cada grama de levedura, ferva a água por cerca de 5 min, cubra o recipiente com plástico filme e deixe esfriar. Quando chegar por volta de 30/35ºC inocule a levedura, mexa suavemente para que ela fique uniforme e deixe descansar por cerca de 30 min e então inocule no mosto. Alguns protocolos dizem para utilizar alguns nutrientes ou mesmo fazer pequenas adições de mosto, mas isso não é realmente necessário.
É isso aí, galera... dúvidas e discussões estamos aí!
Referências.
1 - Yeast Resistance to High Levels of Osmotic Pressure: Influence of Kinetics
2 - The Effects of Osmotic Pressure and Ethanol on Yeast Viability and Morphology
3 - Rehydration of Active Dry Brewing Yeastand its Effect on Cell Viability 4 - Saccharomyces cerevisiae viability is strongly dependant on rehydration kinetics and the temperature of dried cells
5 - The Influence of Rehydration on the Viability of Dried Micro-Organisms
6 - Dried Yeast: Impact of Dehydration and Rehydration on Brewing Yeast DNA Integrity
7 - The impact of dehydration and rehydration on brewing yeast
8 - Vitality enhancement of the rehydrated active dry wine yeast
9 - Effect of Rehydration Temperature of Active Dried Yeast on Wine Production and quality
10 - Characteristics of cellular membranes at rehydration of dehydrated yeast Saccharomyces cerevisiae
11 - Changes in wine yeast storage carbohydrate levels during preadaptation, rehydration and low temperature fermentations
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