Minha opinião é de que esses termos de primária e secundária são desnecessários, porque só confundem, mas a literatura usa, fazer o que...
Secundária e maturação não são a mesma coisa. A maior diferença é a atividade do fermento, na secundária ela ainda é forte, ainda há um resto de açucar sendo consumido, diacetil sendo reabsorvido e a levedura começando a flocular e sedimentar.
Passado esse período, começa a contar como maturação. Atividade do fermento menos presente, as caracteristicas da cerveja começam a ficar mais definidas e mudar mais devagar, as coisas começam a assentar.
Então maturação é um processo de principalmente duas coisas: decantação e oxidação. Existe sempre uma mínima atividade da levedura, que vai transformando lentamente, mesmo em baixas temperaturas, mas as transformações que ocorrem a partir daí são principalmente física e quimicas e isso ocorre da mesma forma na cerveja pasteurizada.
Maturando a cerveja a frio, vc está favorecendo a parte física da coisa, decantando levedura, polifenóis, etc. Maturando a quente é a oxidação que é favorecida.
Como disse o outro Tiago, é uma de escolher o que é melhor pra cada caso..
Abraço
A minha opinião já é diferente, tanto pelo que interpreto da teoria, mas muito também pela prática. Também não acho os termos primária e secundária ruins. Normalmente as pessoas vem me perguntar sobre fermentação, maturação, etc, e depois que explico com clareza os conceitos de fermentação primária, secundária, maturação e envelhecimento, a coisa fica muito mais claras. Nos cursos, onde tem iniciantes do zero mas também pessoas que já fazem, nem se fala... normalmente saem me agradecendo.
Fermentação Primária é o consumo dos açúcares facilmente fermentáveis.
Fermentação Secundária é, sobretudo (mas não somente) a reabsorção/conversão de muitos subprodutos indesejáveis (como diacetil, acetaldeído, etc).
Uma coisa importante a saber é que essas duas coisas não estão completamente separadas, ou seja, essa reabsorção já começa a acontecer antes de todos os principais açúcares fermentáveis serem consumidos.
Bom, depois disso, ou seja, feita a fermentação primária e secundária, vem uma outra fase que as literaturas chamam de "conditioning", e que muitos no Brasil confundem com simplesmente o período de refermentação na garrafa, ou priming. Conditioning, em algumas literaturas, também é intercambiado com Aging (envelhecimento). Os americanos pouco usam o termo "maturation".
Resumindo, independente de usar o termo maturar ou envelhecer, a questão é entender o que ocorre.
Como o Tiago falou, ocorre muita decantação, e também oxidação, porém, o fermento continua trabalhando com tempo e continua processando alguns açúcares maiores que durante a fermentação não são consumidos, e isso, com o tempo, muda bastante a cerveja.
Esse é o principal ponto onde discordo do Tiago: cervejas não pasteurizadas podem se beneficiar de envelhecimento (assim como alguns vinhos) justamente por terem presença de fermento ativo. Cervejas pasteurizadas ou filtradas ao extremo, não. Ou seja há uma grande diferença em ter fermento vivo, e no quanto eles agem como tempo, e na velocidade.... e isso transcende os meros efeitos de decantação e oxidação. Algumas cervejas demoram anos pra ficarem perfeitas, e se tivessem sido pasteurizadas, não ficariam (mesmo com a oxidação ocorrendo igual). Isso está dito no How to Brew, algo como "as the majority of the simple sugars are consumed, more yeast start eating larger and complex sugars".. e depois tem algo como "that's the reason beer and wine improve with age if they are on yeast, which does not happen with pasteurized or filtered beer".
E o que define muita dessa atividade do fermento, oxidação e velocidade de decantação? Temperatura.
Temperaturas mais baixas diminuem muito a ação do fermento (o que pode não ser bom), diminui a oxidação (o que na maior parte dos casos é bom), e acelera a decantação (o que na maior parte dos casos é bom também). Dependendo da temperatura (zero, por exemplo) fermentos Ale praticamente não fazem nada... pois pelo comportamento de hibernação eles entram em estado de dormência quase total e ficam gastando o mínimo de energia possível, consumindo suas reservas lentamente durante muitos e muitos meses.. anos. Aliás.. esse é o motivo pelo qual fermento saudável gera muito menos chance de autólise... fermento saudável, ao hibernar, pode construir grandes reservas pra ficar muito tempo parado. Fermento esgotado.. logo não tem mais reservas, morrem, mas morrem e se desmancham, causando autólise.
Temperaturas mais altas estimulam que o fermento ainda tenha atividade, e isso faz com que ao longo do tempo, ele processe outros tipos de açúcares muito lentamente, e dependendo do tipo de cerveja, isso faz uma diferença grotesca!
Já fiz algumas cervejas extremas, várias com OG acima de 1100, mas algumas inclusive com 1120, 1130, e uma de 1150. Nessas duas últimas mais fortes, eles terminaram extremamente doces.. quase intragáveis. A FG na de 1150 ficou em 1060 e poucos (mesmo depois de adicionar mais fermento, adicionar fermento belga importado para alto ABV, e por aí vai). A de FG na de 1130 ficou em uns 1050 e poucos. Em todas elas eu fiz "fermentações secundárias", no mesmo fermentador, sem mudar nada... durante meses.
Na de 1150, eu guardei garrafas a quente, e outras a frio. Depois de 1 ano e meio, 2 anos, a diferença entre as duas era gigante. Nível de oxidação era extremamente parecido, pois depois de 2 anos, toda a oxidação que era pra ocorrer, ocorreu.. a grande diferença estava na doçura. A que ficou a quente era muito, muito melhor.
Já na 1130, eu simplesmente deixei o fermentador a temperatura ambiente, com fermento e tudo, durante 1 ano, e depois embarrilei e comecei a beber. Gosto completamente diferente do que quando ela tinha uns 2 meses... e nesse caso, relativamente pouca oxidação (talvez por nunca ter aberto o fermentador, nem adicionado mais fermento, nem nada).
No final de tudo isso, qual a minha interpretação dos processos, dos termos, e qual analogia posso fazer?
Bom, uma analogia que eu gosto de usar é a seguinte: digamos que eu tenha um irmão gêmeo... e que somos 100% idênticos geneticamente. Se nós fizermos a mesma coisa a vida inteira, chegaremos aos 40 anos muito parecidos. No entanto, se meu irmão trabalhar a vida inteira num escritório no ar-condicionado, e eu trabalhar na roça, pegando sol na cara o dia inteiro, certamente ele vai chegar aos 40 com uma aparência muito mais jovem, e eu vou estar com a cara enrugada pelos efeitos do sol... no entanto, ambos estaremos com 40 anos.
Ou seja, o frio conserva... o calor envelhece.
Por isso que uma famosa técnica de envelhecimento de cerveja é deixá-las no que os americanos chamam de "cellar temperature", mais ou menos entre 10 e 12 graus. Essa temperatura é utilizada porque ainda há uma boa atividade do fermento, mas como a temperatura é mais baixa, diminui razoavelmente os efeitos da oxidação.
Ao mesmo tempo, é também por causa desses efeitos de temperatura que se faz "lagering" nas lagers, pois nessas cervejas (com suas exceções... caso das Doppelbocks), se matura com temperatura o mais baixa possível, para que ocorram simples decantações, e para evitar ao máximo oxidação e qualquer ação do fermento, até porque no caso das lagers, em sua maioria não muito fortes, elas já conseguem uma ótima atenuação.
Resumindo, maturação/envelhecimento ocorre em qualquer temperatura, queira ou não, assim como eu e o meu "irmão gêmeo" vamos envelhecer de qualquer maneira... vamos chegar aos 40 anos juntos, e não há como mudar isso. O que se pode mudar é COMO essa maturação vai ocorrer... e aí entra o conhecimento/talento/discernimento do cervejeiro em escolher qual temperatura vai usar pra maturar de acordo com os objetivos que quer para aquela cerveja. Uma Pilsener ou uma Weiss... certamente eu vou guardar o mais geladas possível (mesmo que a decantação da Weiss não seja legal, pq o importante é manter o frescor). Já uma Barleywine ou uma Russian Imperial Stouts, certamente eu prefiro guardar a quente.
Pra finalizar, sobre os termos, pra mim, usar o termo "maturar" faz muito mais sentido quando está guardada a frio, e "envelhecer", quando está a quente. No entanto, essa é uma definição que eu tinha há 2 ou 3 anos atrás. Hoje em dia, vendo os termos que são usados no resto dos foruns do mundo... livros, etc, já acho que o termo maturação, aqui no Brasil, pode ser usado para as duas coisas, se não ia complicar muito. Isso de modo geral, pq pessoalmente gosto de usar termos diferentes... mas não costumo corrigir ninguém quanto a isso.
Bom, espero ter deixado a coisa um pouco mais clara.
Abraço,