Mistérios entorno da Brettanomyces, Lactobacilos e Pediococcus

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Victor Montenegro

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Dec 19, 2018
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Recife-PE
Olá, pessoal. Queria apresentar um causo cervejeiro para vocês.
Fiz uma APA com Maracujá para o carnaval deste ano (Fevereiro/2020), a brassagem e a fermentação (5 dias) tinham ocorrido numa boa e a ABV apontava para uns 5%, razão pela qual adicionei a polpa do maracujá na 2a fermentação (3 dias) em natura, ou seja, gomos da fruta direto no fermentador sem pasteurização. Todavia, após uns 10 dias de maturação percebi que a cerveja apresentava aromas e sabores indesejados - muita ácidez e aromas de queijo ou vinagre. Passei o carnaval à seco :/

Não bebi a cerveja no carnaval, mas também não joguei ela fora. Deixei em um barril num cantinho da minha casa, Recife(20ºc-30ºc), e eis que no mês de junho/2020, uns 90 dias após o embarrilamento, a cerveja estava bem redondinha! Já não apresentava aquele excesso de acidez, embora presente, muito bem atenuada. Os aromas de queijo ou vinagre haviam sumido! Com o tempo, a APA realmente perdeu aromas e amargores do lúpulo Cascade, mas tinha boa presença do dulçor do maracujá, final seco e boa refrescância.

Hoje fico refletindo se na hora da adição da fruta na 2a fermentaçao contaminei a minha cerveja com o Brettanomyces ou outro organismo, como o Lactobacilos ou Pediococcus. Todavia, ao deixar a cerveja embarrilada e maturando em temperatura de fermentação, permiti que esta bactéria misteriosa refermentasse ecompletasse o seu ciclo; e após 3 meses apresentasse uma bela cerveja.

Será que algum/a cervejeiro/a experiente com as Sours, Flanders, Lambics ou outras cervejas que tem a "presença amiga" desses organismos, poderia comentar o causo?
 
Boa tarde Victor,

Primeiramente, parabéns por não jogar fora e ser presenteado com uma bela cerveja. Estou longe de ser um especialista, mas sou muito fã de fermentações - vamos dizer - não muito ortodoxas.. Já fermentei com todos esses seres que você citou e digo: é impressionante a gama de experiências sensoriais que se abre.

Hoje fico refletindo se na hora da adição da fruta na 2a fermentaçao contaminei a minha cerveja com o Brettanomyces ou outro organismo, como o Lactobacilos ou Pediococcus.

É extremamente complicado dizer o quê "contaminou", no bom sentido do termo. Infelizmente, somente com uma análise laboratorial 'pesada' (PCR) seria possível descobrir exatamente quais bichos atuaram. Porém, por suas descrições, é possível fazer uma suposição do que pode ter ocorrido. Assim, pondero que possa ter acontecido o seguinte:

Seu mosto inicial continha: alto teor de açúcares de vários tipos, nutrientes, oxigênio e não menos importante, lúpulo (bactericida). A fermentação inicial com a levedura convencional para Ales (Saccharomyces cerevisiae), consumiu grande partes destes açúcares, oxigênio e parte dos nutrientes. Deixando então uma solução com álcool diluído e pH baixo (provavelmente entre 4.0 - 4.5). A combinação de álcool + pH baixo + lúpulo + falta de oxigênio + baixos nutrientes torna este ambiente inóspito para grande maioria dos micro-organismos.

Ao adicionar a polpa do maracujá, provavelmente você abriu o balde/barril, portanto expondo ao contato com o oxigênio e também adicionou inúmeros micro-organismos. Abaixo, listo em ordem de probabilidade e cronológica alguns que podem ter atuado:

Acetobacter - Bactéria produtora de ácido acético (aroma de vinagre, gosto ácido), dependente da presença de oxigênio e etanol para sua fermentação; sua descrição de aroma de vinagre e rápida acidez cabe aqui

Clostridium - Bactéria produtora de ácido butírico (em grandes quantidades: aroma de vômito, bile, queijo rançoso), que pode ser confundido com o ácido isovalérico (em grande quantidades: aroma de queijo, chulé) produzido por exemplo pelo Brettanomyces e/ou Streptococcus; sua descrição de aroma de queijo

Brettanomyces - Levedura produtora por meio de fermentação de diversos metabólitos, entre eles o ácido acético, ácido isovalérico, etanol e CO2. Fermenta vários compostos e subcompostos. Aguenta ambientes bem inóspitos.

Pediococcus - Bactéria produtora de ácido lático. Consegue sobreviver em ambientes inóspitos como a cerveja e produz ácido lático de maneira lenta.

Lactobacillus - Bactéria produtora de ácido lático. Dependendo da espécie consegue produzir ácido em grande velocidade e volume. Não é resistente a altas concentrações de etanol e pouquíssimo resistente ao lúpulo.

Portanto, levando em consideração as características descritas, imagino que primeiramente houve um crescimento de Acetobacter/Clostridium/Strepto, o que levou ao rápido desenvolvimento dos atributos iniciais que você descreveu. Posteriormente, ocorreu o desenvolvimento do Brettanomyces que aos poucos foi consumindo o restante dos açúcares que foram deixados pelo Saccharomyces, assim deixando a cerveja mais 'seca'. Além de aos poucos ir consumindo o ácido acético e o ácido butírico, assim diminuindo o nível sensorial destes compostos (arrendondando). E por final, infelizmente, o lúpulo pelo tempo decorrido teve seus compostos aromáticos oxidados, perdendo pungência.

Excluí Pediococcus pois esta bactéria é conhecida por demorar por produzir ácido, o que não ocorreu no caso. Também não imagino Lactobacillus pois a quantidade de lúpulo provavelmente inibiu seu crescimento.

Bom, de toda maneira, muito bacana que ficou uma cerveja gostosa. Já que por 'acidente' você fez uma Sour e gostou, por que não se aventurar e fazer uma conscientemente? :)

A maioria dos links que eu coloquei neste post são do Wiki do Milk the Funk. Caso leia inglês, sugiro dar uma lida e entrar também no grupo de Facebook deles.

Att.,

Luis
 
Obrigado pelo excelente texto, Luis! Se você não é experiente, com certeza está muito perto disso. Não conhecia o Milk the Funk, com certeza vou passar a acompanhar o que rola por lá.

Me parece muito pertinente conhecer melhor esses três "bichinhos" mencionados no título. Entendendo-os melhor, realmente é como você escreveu: se abre uma nova "gama de experiências sensoriais" - onde (quase) não existem cervejas perdidas :)
 
Bacana seu relato!

Fiquei curioso quando ao seu fermentador: como ele é? Você realizou alguma limpeza diferente após fermentar está cerveja? E nas levas seguintes, como se comportaram as fermentações?

Abraçoo
 
Bacana seu relato!

Fiquei curioso quando ao seu fermentador: como ele é? Você realizou alguma limpeza diferente após fermentar está cerveja? E nas levas seguintes, como se comportaram as fermentações?

Abraçoo

Opa, Felipe, eu tenho um fermentador de 120L PP auto-refrigerado. Comprei de segunda mão em um grupo de cervejeiros da minha cidade, ele não é rotomoldado, mas dá pro gasto e veda muito bem possíveis contatos com o meio ambiente externo. No começo do ano - quando fiz essa APA - a limpeza dele ainda era bem sofrida. Eu deixava de molho por 24h em pequenas quantidades de soda cáustica, em seguida PAC. Atualmente, uso uma bomba cip, detergente alcalino e PAC...

As fermentações seguintes foram muito bem e dentro do esperado. Ainda não me aventurei em receitas muito caras ou complexas, mas desde então já fiz uma Irish Red Ale e uma Belgian Blonde Ale... Ainda não tentei nenhuma que necessitasse dry-hop novamente :p

Estou quase certo que a "contaminação" veio de microorganismos presentes nos gomos do maracujá. Dei uma lida no estilo "American Sour Ale" - cervejas propositalmente azedas fermentadas por bactérias e leveduras selvagens encontradas em frutas - e tou achando que fiz sem querer algo parecido..
 
Boa tarde Victor,

Primeiramente, parabéns por não jogar fora e ser presenteado com uma bela cerveja. Estou longe de ser um especialista, mas sou muito fã de fermentações - vamos dizer - não muito ortodoxas.. Já fermentei com todos esses seres que você citou e digo: é impressionante a gama de experiências sensoriais que se abre.



É extremamente complicado dizer o quê "contaminou", no bom sentido do termo. Infelizmente, somente com uma análise laboratorial 'pesada' (PCR) seria possível descobrir exatamente quais bichos atuaram. Porém, por suas descrições, é possível fazer uma suposição do que pode ter ocorrido. Assim, pondero que possa ter acontecido o seguinte:

Seu mosto inicial continha: alto teor de açúcares de vários tipos, nutrientes, oxigênio e não menos importante, lúpulo (bactericida). A fermentação inicial com a levedura convencional para Ales (Saccharomyces cerevisiae), consumiu grande partes destes açúcares, oxigênio e parte dos nutrientes. Deixando então uma solução com álcool diluído e pH baixo (provavelmente entre 4.0 - 4.5). A combinação de álcool + pH baixo + lúpulo + falta de oxigênio + baixos nutrientes torna este ambiente inóspito para grande maioria dos micro-organismos.

Ao adicionar a polpa do maracujá, provavelmente você abriu o balde/barril, portanto expondo ao contato com o oxigênio e também adicionou inúmeros micro-organismos. Abaixo, listo em ordem de probabilidade e cronológica alguns que podem ter atuado:

Acetobacter - Bactéria produtora de ácido acético (aroma de vinagre, gosto ácido), dependente da presença de oxigênio e etanol para sua fermentação; sua descrição de aroma de vinagre e rápida acidez cabe aqui

Clostridium - Bactéria produtora de ácido butírico (em grandes quantidades: aroma de vômito, bile, queijo rançoso), que pode ser confundido com o ácido isovalérico (em grande quantidades: aroma de queijo, chulé) produzido por exemplo pelo Brettanomyces e/ou Streptococcus; sua descrição de aroma de queijo

Brettanomyces - Levedura produtora por meio de fermentação de diversos metabólitos, entre eles o ácido acético, ácido isovalérico, etanol e CO2. Fermenta vários compostos e subcompostos. Aguenta ambientes bem inóspitos.

Pediococcus - Bactéria produtora de ácido lático. Consegue sobreviver em ambientes inóspitos como a cerveja e produz ácido lático de maneira lenta.

Lactobacillus - Bactéria produtora de ácido lático. Dependendo da espécie consegue produzir ácido em grande velocidade e volume. Não é resistente a altas concentrações de etanol e pouquíssimo resistente ao lúpulo.

Portanto, levando em consideração as características descritas, imagino que primeiramente houve um crescimento de Acetobacter/Clostridium/Strepto, o que levou ao rápido desenvolvimento dos atributos iniciais que você descreveu. Posteriormente, ocorreu o desenvolvimento do Brettanomyces que aos poucos foi consumindo o restante dos açúcares que foram deixados pelo Saccharomyces, assim deixando a cerveja mais 'seca'. Além de aos poucos ir consumindo o ácido acético e o ácido butírico, assim diminuindo o nível sensorial destes compostos (arrendondando). E por final, infelizmente, o lúpulo pelo tempo decorrido teve seus compostos aromáticos oxidados, perdendo pungência.

Excluí Pediococcus pois esta bactéria é conhecida por demorar por produzir ácido, o que não ocorreu no caso. Também não imagino Lactobacillus pois a quantidade de lúpulo provavelmente inibiu seu crescimento.

Bom, de toda maneira, muito bacana que ficou uma cerveja gostosa. Já que por 'acidente' você fez uma Sour e gostou, por que não se aventurar e fazer uma conscientemente? :)

A maioria dos links que eu coloquei neste post são do Wiki do Milk the Funk. Caso leia inglês, sugiro dar uma lida e entrar também no grupo de Facebook deles.

Att.,

Luis

Muito bem explicado @Lperes27, hoje mesmo estava vendo a serie de Sours do Jamal, para quem não viu também vale a visita.
https://www.youtube.com/playlist?list=PLE5B9yY0BmsQvNKK8VVMeqUYtPTOjTbE-
 
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